sábado, 29 de agosto de 2009

Um tom de desatino.

Tudo era breve. Tudo parecia ter um cheiro peculiar, cheiro de lixo podre, cheiro de vela queimando de modo tão vulgar e aveludadas vozes que insistiam trazer a tona as piores lembranças e o retardo. Isadora descia as escadas correndo e de modo desesperador, suas mãos deslizavam rapidamente pelo corrimão espanando a poeira acumulada por tantos dias. Fazia muito barulho, as escadas de assoalho já estavam bem velhas e seus sapatos envernizados possuíam um solado que não colaborava muito com o silêncio. Precisava de silêncio, não queria que ninguém ouvisse seu desespero, não queria que ninguém desconfiasse de sua dor, e de seu medo. Ao acabar de descer as escadas, a rapariga se deparou com uma alma, uma alma perdida, mais perdida do que ela mesma. Por não saber o sexo da alma, Isadora teve medo de olhar em seus olhos, se a alma fosse feminina, ela não teria medo, certamente a daria a mão. Agora eram dois, ou duas, a percorrer uma rua imensa, cheia de buracos e poças. Era irritante o modo como a corrida dos dois - ou das duas - se dava. As meias das moça já estavam bem sujas e encharcadas, enquanto a alma continuava seca e tranquila desde o primeiro momento que viera a parecer nessa história. A menina ia correndo, contra o tempo, o vento frio batia em seu rosto fazendo congelar suas narinas e secar seus lábios. Mas Isadora nem percebia, a moça apenas se dava conta de sua fragilidade, pensava que a qualquer momento suas pernas finas poderiam se quebrar assim como o gelo, ou derreter, assim como o gelo também. Mas a única coisa que derretia naquele momento era a alma. Lembro-me de ter visto a alma se decompor no ar à medida que o vento frio cortava tudo na paisagem.

A moça não conseguia parar de correr. ? .