sábado, 29 de maio de 2010

Há.

Viver de palavras e as palavras se servem de quê? Se de pensamentos soltos, elas voam, penetram o âmago, nos atropelam nos desfalecem, nos é interior, mas de alguma forma vem de fora.

Quando batia com a ponta das unhas na cabeceira da cama, fazendo uma percussão noturna, sentia as palavras: jazia um cavalo se aproximando, havia um tom de ansiedade palpitando.

Cavalo, ansiedade, cavalansiando... Cavalasinada de percursão camal de cama pra não se dormir, apenas pra se revirar.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Libertas quae sera tamen.

Acredito mesmo em várias possibilidades. Uma delas é que ser livre, é ser estranho.
Sentir-se livre é sentir-se feio, enrugado e com manchas de carvão por todo o braço e rosto como se tivesse acabado de sair dos porões vaporosos de um navio do século XVIII.

Ser livre, é ter o poder de acabar com o tédio com uma só risada provocada pela ligação da mãe ou do pai.

É gostar de fazer o que ninguém gosta, e suportar o que nem lucífer suportaria.

Ser livre não é satânico, é divino!

terça-feira, 18 de maio de 2010

Pretexto

Havia perto da Ilha dos Amores, uma outra ilha chamada Ilha do Mal me Quer...

Assim, sem mais nem menos me veio a memória a trintona chamada Constancia, que lá morava desde os dezesseias anos. Mal humorada, de pele bem branca, olhos caídos e braços curtos; andava de um lado para o outro como se fosse adolescente esperando o primeiro namorado chegar - numa praça meio escura, fria, porém cheia de bons ares e pretensões -. A trintona vestia-se muito bem. Trajava um vestido preto de renda, pouco acima dos joelhos , uma meia-calça fumé, nos pés um coturno já surrado e antes, ou depois de tudo, a peça que mais lhe causava imponência: o sobretudo azul marinho não marinho, mas celeste como a noite sem lua, sem estrela e nublada.

Na Ilha do Mal me Quer fazia frio, mas um frio mediano e seco, daqueles que não frisam os cabelos. Cansada de esperar por seu gato, de assobiar e chamá-lo pelo seu nome, a mulher atirou-se contra a espera e se desesperou, andou mais que depressa. Um cavalheiro que passava por ali, cheio de graça e tatuagens, a ultrapassou, deixando cair de suas mãos uma caixinha preta. A mulher indignada - pois não esperava que ninguém aparecesse ali naquele momento - parou e olhou o moço nos olhos, levantou uma das sobrancelhas, como se o desafiasse. O galã não aceitou o desafio, sorriu apenas e deu um boa noite típico de quem não quer se despedir, mas quer continuar ali, pelo menos monologando...

Ela cedeu, afinal na Ilha do Mal me Quer era raríssimo aparecer um galã. Estava tão cansada daquilo tudo sempre, das palavras ardosas, do fado sexual, das noites com vista pro teto e das manhãs sem doce...

Em busca de amor de homem, não de gato, um animal tão pessimista e marginal, ela seguiu com o dono da caixa preta e sabe-se lá para onde foram.