terça-feira, 18 de maio de 2010

Pretexto

Havia perto da Ilha dos Amores, uma outra ilha chamada Ilha do Mal me Quer...

Assim, sem mais nem menos me veio a memória a trintona chamada Constancia, que lá morava desde os dezesseias anos. Mal humorada, de pele bem branca, olhos caídos e braços curtos; andava de um lado para o outro como se fosse adolescente esperando o primeiro namorado chegar - numa praça meio escura, fria, porém cheia de bons ares e pretensões -. A trintona vestia-se muito bem. Trajava um vestido preto de renda, pouco acima dos joelhos , uma meia-calça fumé, nos pés um coturno já surrado e antes, ou depois de tudo, a peça que mais lhe causava imponência: o sobretudo azul marinho não marinho, mas celeste como a noite sem lua, sem estrela e nublada.

Na Ilha do Mal me Quer fazia frio, mas um frio mediano e seco, daqueles que não frisam os cabelos. Cansada de esperar por seu gato, de assobiar e chamá-lo pelo seu nome, a mulher atirou-se contra a espera e se desesperou, andou mais que depressa. Um cavalheiro que passava por ali, cheio de graça e tatuagens, a ultrapassou, deixando cair de suas mãos uma caixinha preta. A mulher indignada - pois não esperava que ninguém aparecesse ali naquele momento - parou e olhou o moço nos olhos, levantou uma das sobrancelhas, como se o desafiasse. O galã não aceitou o desafio, sorriu apenas e deu um boa noite típico de quem não quer se despedir, mas quer continuar ali, pelo menos monologando...

Ela cedeu, afinal na Ilha do Mal me Quer era raríssimo aparecer um galã. Estava tão cansada daquilo tudo sempre, das palavras ardosas, do fado sexual, das noites com vista pro teto e das manhãs sem doce...

Em busca de amor de homem, não de gato, um animal tão pessimista e marginal, ela seguiu com o dono da caixa preta e sabe-se lá para onde foram.

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