sábado, 17 de outubro de 2009

Rodolfo

Essa é a história da Maria, pode ser das dores, ou da glória. O leitor pode ficar a vontade e escolher. A mulher hoje acordou bem cedo, pulou da cama, foi invadida pelo feixe de luz que ultrapassava pela janela de seu quarto enquanto o sol nascia lá fora. Abriu o quarto e se deparou com sua imagem camuflada na frente do espelho, sentiu saudades, bocejou desespero, olhos de remela, desconhecimento, martirização. Virou-se, deu as costas ao vidro, seis passos, trancou a porta dando duas voltas na fecahdura, uma volta é para trocar de roupa, telefonar, esperar o marido da noitada. Duas voltas é para aniquilar-se... O lençol amarrotado, a cabeceira cheia de romances, a janela aberta, a falsa monalisa, o lado esquerdo da cama vazio... Ocupou-se dos dois lados naquela noite, dormiu livre, acordou com saudade. Quanto tempo duraria essa aniquilação? A manhã inteira, a tarde inteira, o dia todo ou até a volta do marido? Ela se interrogava. Não havia se quer uma barata no quarto pra acompanhar esta narrativa, nem um romance arrebatador que a libertaria de si, mas sobretudo não havia o porque de levantar tão cedo e não se esbaldar na cama, não precisava botar a água para ferver, nem vestir o roupão sobre a camisola. Correu os olhos sobre seu corpo, e lá estava o começo de tudo, aquele baile, aquela música, aquela mão de Rodolfo. Rodolfo? Seu pai ou seu amante? Mas eles se pareciam tanto - quando criança essa mulher de deitava nos ombros do pai e adormecia profundamente, casou-se com o mesmo homem, sagaz e espirituoso. Remexeu-se na cama, lembrou-se da mãe, e dos dias que elas duas ficavam sozinhas em casa, dias chuvosos em que a luz acabava, e ela via o rosto da mãe através daquela meia luz avermelhada , gostava tanto, pois achava que a mãe ficava mais bonita à luz de velas, e era uma pena que o pai não visse a mãe assim... Foi até a escrivaninha e sentiu medo, medo dele nunca mais voltar, ou voltar um outro. Mergulhou nas lembranças sórdidas e nos detalhes másculos do casamento, fez delas um sonho acordado e assentou-se. Pôs-se a escrever, frases soltas e escrita automática, tudo remetia o marido, sentimentos de feminilidade, de agonia e desespero. Olhou de volta para o espelho e não se reconheceu, tomada pelo rancor, atirou sobre ele o vaso de barro juntamente com sua fúria e reflexão. Seis horas da tarde, que horas seriam? Horas de começar a pensar no cardápio... Não, horas de parar tudo se esbaldar na cama...

Meia noite e trinta e cinco, hora de acordar com o barulho e as batidas dos filhos na porta berrando de fome.

a

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Rogai.

Me enche de espirituosidade, a diferença
Que diferencia, até a indiferença
Distancia até nós, os animais
Pelo vão, pelo espaço entre corpos.
Na rua, no campo... na civilização

Atingimos ciência de corpo,
de alma e até de coração
Ciência que confunde os olhos
e nos afastam de deus.
Insana, persistente e julgadora

Impressionante é o reflexo, da diferença
Ele invade a alma, corrompe o espírito
Furtam na escuridão da noite a esperança juvenil
Sem base, alicerce ou apoio vão ficando sós.
Sem lar, sem pátria, sem eira nem beira

A diferença oprime, mastiga e corrompe
A pureza
O direito
O dever.
Os olhos de quem sente e de quem a vê

[...]

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Às bordas da Literatura Comparada

São fontes, que eles bebem e se deliciam, dilatam suas pupilas diante daquele cânone maravilhoso e se aproveitam da putrefação desse último. Era de se esperar, a final de contas, a maioria desses bêbados e dissimulados são ateus e não podem temer nenhuma façanha.

Enquanto uns bebem descaradamente, outros -mais autênticos-preferem remeter essa bebedância a um ato moderno, que promove uma bênção ao cânone, tirando-o da penumbra e levando-o à luz da modernidade e do (re)conhecimento. Isso é Luis Borges ! É desvairo pensar que podemos criar um novo, visto ser tão comum esse plano das ideias platónico e aristotélico. Eu fico com todas as opções de canalhice e modernidade. Abraço a subjetividade, e não mais atento a isso, apelo para o que há de melhor nessa literatura, consumo todos, como todos e bebo de todos os possíveis cálices para me alimentar. É inacreditável que a certa altura do campeonato desconsideramos a antropofagia de Oswald, meu deus! Isso é Brasil, que foi colônia de Portugual, descoberto por homens índios, em certa distância podemos ver a Europa como centro da cultura e da arte, ouso dizer mais, como ponto de partida e referência até! Em que medida um plágio ou adaptação de um escritor mais recente a um mais velho, pode ser considerado dívida (externa), ou seria o contrário?

O poeta mais novo e da colônia-olhemos sobre Álvares de Azevedo e Lord Byron-, pode levar seu cânone a um maior reconhecimento, ou representação quando recria um personagem. Olhemos também o caso de Madame Bovary e O Primo Basílio que são tão parecidos, tão endividados, eu diria... O veneno da moralidade acaba por matar ambos protagonistas desses romances.o que é justo e belo aos olhos da burguesia medíocre. Plágio talvez, não seria "ato cometido" por incompetentes ou inferiores, mas uma competência daqueles que superam o cânone e o acrescentam mais ainda.